Mercado de carbono: Brasil dá primeiros passos

O Governo Federal publicou na noite do dia 19 de maio em uma edição especial do Diário Oficial da União, o decreto 11.075 que regulamenta o mercado de créditos no carbono no Brasil. Mas o que isso quer dizer?

A medida foi publicada após anúncio do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, no Congresso Mercado Mundial de Carbono, realizado no Rio de Janeiro entre os dias 18 e 20 de maio. O decreto atende à legislação que instituiu, em 2009, a Política Nacional sobre Mudança do Clima, que atribui ao poder executivo a responsabilidade de formular normas e processos para consolidação de uma economia de baixo carbono.

De acordo com o Governo, o objetivo do decreto é possibilitar a exportação de créditos para empresas e países que precisam cumprir metas de neutralidade de emissão de carbono. E estabelece as bases do que pode ser, no futuro, um mercado de créditos de carbono consolidado no Brasil. Para isso, a medida cria o Sistema Nacional de Redução de Gases de Efeito Estufa (Sinare), que deve centralizar os processos de comercialização e transferência de créditos de carbono.

Na prática, o decreto brasileiro é um avanço no sentido de estabelecer a fundação de um mercado carbono e políticas setoriais de redução de emissão de gases de efeito de estufa (GEE), mas ainda deixa muitas lacunas e atribui responsabilidades e definições a órgãos como os Ministérios da Economia e Meio Ambiente.

O texto dividiu especialistas, que apontam ser insuficiente para criar um mercado nos níveis do que já existe no âmbito internacional. Outros dizem que, apesar das lacunas, trata-se de um avanço, considerando que o país aguarda há anos por uma discussão madura sobre regulação e comercialização de créditos de carbono e a pauta das mudanças climáticas.

Ao que tudo aponta, a consolidação desse mercado no Brasil ainda tem um longo caminho pela frente. “Como fazer um projeto de crédito de carbono com uma linha de base setorial, tal como prevê o decreto? Esse é um desafio técnico que trará uma discussão longa e com muito desgaste político”, afirmou Ronaldo Seroa da Motta, professor da UERJ, em entrevista ao jornal Valor Econômico.

Outro fato que aponta para uma possível complexidade da discussão no futuro é o avanço na Câmara dos Deputados do projeto de lei 290/2020, que também institui normas para o mercado brasileiro de comercialização de créditos. No início deste ano o projeto iniciou a tramitação em regime de urgência para votação na Câmara. Se aprovado, o decreto do Governo Federal deverá sofrer adaptações para conciliar ambos os textos. 

Até onde vai o decreto

O texto publicado no Diário Oficial da União inaugura e define na legislação brasileira conceitos como crédito de carbono, crédito de metano e crédito certificado de redução de emissões – este último se referindo aos créditos registrados e oficializados no Sinare.

De acordo com o texto, essas políticas e regulamentações são elegíveis e devem ser aplicadas a setores específicos, no âmbito dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas. Cada um dos setores definidos em lei devem ter uma meta específica para redução de gases de efeito estufa, a serem definidas futuramente em conjunto com representantes e um Comitê Interministerial sobre Mudanças Climáticas – composto principalmente pelos Ministérios da Economia e Meio Ambiente. Os setores definidos são:

  • Geração e distribuição de energia elétrica;
  • Transporte público urbano e sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros;
  • Indústria de transformação;
  • Indústria de bens de consumo duráveis;
  • Indústrias de químicas fina e de base;
  • Indústria de papel e celulose;
  • Mineração;
  • Indústria de construção civil;
  • Serviços de saúde;
  • Agropecuária.

Apesar de definir conceitos, sistemas e alguns processos, o texto não esclarece como tais metas serão monitoradas, como isso se traduzirá no âmbito das empresas ou quais serão as medidas em caso de não cumprimento. Mesmo assim, trata-se de um passo no sentido de amadurecer a legislação brasileira sobre redução de emissões de gases de efeito estufa e de estabelecer ferramentas para o cumprimento de metas, como é o caso mercado de créditos de carbono.

Mercado de carbono regulado e voluntário

Ao redor do mundo, existem duas formas de mercados de carbono: os regulados e os voluntários. No caso dos regulados, a precificação do carbono ocorre pela taxação, pelo governo, por tonelada de carbono emitida pelas empresas ou então através dos sistemas de comércio de emissões, chamados cap and trade, em que metas são estabelecidas para setores e empresas. Quando superam o limite de emissão de carbono, essas instituições podem comprar créditos de outras que tenham emitido menos do que o limite definido. O decreto governamental aponta para o segundo modelo

Já no caso do mercado voluntário, as empresas e países definem suas próprias metas e para cumpri-las podem adquirir créditos, atestando, assim, aos clientes e à sociedade civil seu compromisso com a redução da emissão de GEEs. Em ambos os casos – regulado e voluntário –, os créditos devem ser certificados por sistemas governamentais ou agências independentes para atestar que representam, de fato, redução nas emissões de carbono.

Em 2021, as iniciativas reguladas de precificação do carbono movimentaram cerca de US$ 84 bilhões, um crescimento de 60% em relação ao ano anterior, de acordo com dados do Banco Mundial. O mercado já cobre cerca de 23% de todas as emissões de gases de efeito estufa no planeta. E esses números vêm crescendo ano a ano. No caso do mercado voluntário, estimativas apontam que este pode chegar a movimentar US$ 50 bilhões em 2030

Mercado global

Outro importante aspecto para contextualizar as movimentações brasileiras pelos créditos nacionais foi o estabelecimento de um mercado global de carbono durante a 26ª Conferência das das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), ocorrida na Escócia em 2021. A reunião definiu que pelo mercado global será possível que países negociem créditos entre si, a fim de atingir metas nacionais estabelecidas.

A decisão oficializa cláusulas do Acordo de Paris estabelecido em 2016, também no âmbito da ONU, com o objetivo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e limitar o aumento médio da temperatura global a 2°C. O mercado global de carbono é mais um mecanismo para atingir esse objetivo.

Tecnologias para sequestro de carbono

As mudanças climáticas antropogênicas são causadas pelo acelerado desenvolvimento da civilização humana, ainda que a natureza sempre tenha tido seus próprios mecanismos para manter o equilíbrio dos diferentes ecossistemas. 

Florestamento e reflorestamento, uso de bioenergia, transição energética para fontes mais limpas – como eólica e solar –, adoção de agrofloresta, entre outras, são práticas alternativas, apontadas como “simples” e “naturais”, para reduzir as emissões de carbono na atmosfera. As florestas e oceanos são grandes maquinários capazes de sequestrar toneladas de carbono e apenas o ato de preservá-los já representa uma remoção considerável de CO₂ da atmosfera.

Para além das movimentações geopolíticas para frear a crise climática, diversos setores tomaram a responsabilidade para si no sentido de desenvolver mecanismos e processos que reduzam as emissões de GEEs e promovam a sustentabilidade nas atividades produtivas. É o caso das tecnologias para sequestro de carbono, ou seja, que agem para remover o carbono presente na atmosfera, seja diretamente do ar ou do ponto de emissão. Muitas das tecnologias hoje desenvolvidas nesse sentido são conhecidas por soluções baseadas na natureza (ou nature-based solutions, em inglês).

Mas será possível que no futuro tenhamos tecnologias que sequestram o carbono diretamente do ar? Empresas e instituições de pesquisa estão se inspirando nos processos e estratégias que ocorrem na natureza para desenvolver tecnologias que contribuam para sequestro de GEEs, assim como fazem as florestas e oceanos

Apesar de ainda raras e de se encontrarem em desenvolvimento, essas tecnologias têm grande potencial para contribuir com a tarefa árdua de diminuir as emissões de carbono no futuro – e até mesmo torná-las negativas em determinados contextos.

Contact Symbiomics Contacte a Symbiomics