Biológicos podem ajudar a diminuir a dependência de fertilizantes químicos?

O conflito entre Rússia e Ucrânia trouxe à tona uma antiga discussão no meio agrícola brasileiro: como diminuir a dependência do setor da importação de fertilizantes? 

A guerra entre os países evidenciou ainda mais o problema, já que o Brasil depende do mercado exterior para importar cerca de 85% do insumo, de acordo com a Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos), e as importações foram dificultadas pelo conflito na região – que é a principal produtora dos fertilizantes NPK (nitrogênio, fósforo e potássio) comprados pelo Brasil. 

Devido ao problema, o Governo Federal acelerou o lançamento do Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), que reúne medidas para melhorar a disponibilidade do insumo no país e desenvolver novas tecnologias em fertilizantes até 2050.

A crise já vem gerando um efeito cascata na economia e contribuindo para provocar a alta de combustíveis e alimentos – problema que deve persistir mesmo após o fim do conflito. As jazidas de potássio ativas exploradas para produção de fertilizantes estão se esgotando ao redor do planeta, encarecendo o insumo, e cresce a necessidade de se explorar fontes alternativas de fertilização do solo

O desenvolvimento de produtos biológicos baseados em microrganismos que atuem na disponibilização desses nutrientes é apontado por especialistas como um caminho promissor para diminuir seu uso no futuro e tornar a agricultura mais sustentável.

Essas tecnologias são desenvolvidas com o objetivo de conferir alguma vantagem produtiva a determinados cultivares. Elas se diferenciam dos chamados agroquímicos pois se baseiam em microrganismos e nas funções que agregam junto a plantas, no caso de bioestimulantes e biofertilizantes, ou para controle de pragas, no caso dos defensivos biológicos.

 

Soluções baseadas em microrganismos

Já existem no mercado brasileiro produtos biológicos com microrganismos que atuam na disponibilização de minerais. Os produtos não substituem os fertilizantes químicos, mas aumentam sua eficácia, possibilitando um manejo mais econômico do insumo. O problema é que ainda há poucas soluções baseadas em microrganismos utilizadas no Brasil e no mundo.

De acordo com Solismar Venzke Filho, consultor com experiência em uso de biológicos, uma solução interessante que tem crescido no Brasil é o uso de pó de rocha ou remineralizadores associado a microrganismos

“São as chamadas rochas silicatadas. Elas têm um teor mais baixo de nutrientes do que os sais que vêm nos fertilizantes e sua solubilidade é menor também. Mas se juntarmos os microrganismos, uma fonte orgânica de carbono e o pó de rocha, ocorre uma solubilização desses nutrientes”, explica Venzke Filho.

Apesar desse método liberar menor quantidade de nutrientes em um primeiro momento, tem potencial para uma disponibilização contínua de minerais, contribuindo para a fertilização do solo a longo prazo. Além disso, trata-se de um método mais barato e sustentável, já que os remineralizadores são subprodutos dos processos de mineração que seriam descartados. 

De acordo com Venzke Filho, entretanto, alguns fatores ainda representam empecilhos para maior disseminação desse tipo de produto associado a biológicos disponíveis hoje, como o manejo específico e falta de conhecimento técnico para aplicação e acompanhamento. 

E ainda há muito espaço para inovar nas tecnologias baseadas em microbioma. Ferramentas como a edição genômica e machine learning estão permitindo a prospecção e reprogramação de microrganismos encontrados na natureza para que sejam mais eficientes na disponibilização de minerais para as plantas. No futuro, esses produtos baseados em microbioma terão grande potencial para diminuir a dependência agrícola de fertilizantes, aumentando a eficiência da fertilização ou contribuindo para o melhor aproveitamento dos que já existem no solo.

Apesar do potencial, para Solon Cordeiro de Araujo, microbiologista com mais de 50 anos de experiência na área de inoculação para fixação biológica de nitrogênio (FBN), é improvável que os biológicos cheguem a substituir os fertilizantes químicos. “Eu não vejo isso como uma possibilidade. É uma luta mais ou menos constante. Se nós conseguirmos desenvolver tecnologias que reduzam de 50% a 70% o uso de produtos químicos, já seria um ganho fantástico para sociedade como um todo, principalmente em termos de sustentabilidade na agricultura”, explica. 

Segundo ele, os produtos contendo microrganismos devem se inserir na lavoura como um complemento que permite maior eficácia dos insumos e melhor aproveitamento de nutrientes já existentes no solo, diminuindo a dependência dos fertilizantes químicos. 

microrganismos

 

Um mercado em expansão

Hoje, os produtos biológicos mais disseminados na agricultura brasileira são aqueles que contêm bactérias fixadoras de nitrogênio e auxiliam culturas como a soja na absorção mais efetiva desse nutriente do solo. Na safra de 2019/2020, 79% da soja plantada no país recebeu inoculação com Bradyrhizobium, uma das bactérias utilizadas para fixação de nitrogênio, de acordo com a ANPII (Associação Nacional de Produtores e Importadores de Inoculantes).

O uso desse tipo de inoculante, por aumentar a produtividade da cultura, é uma opção para auxiliar agricultores a reduzir o uso de fertilizantes nitrogenados químicos, que se acumulam no solo e na água e prejudicam o meio ambiente. Além disso, devido ao seu baixo impacto ambiental e na saúde humana, muitos desses produtos são enquadrados em especificações de referência (ERs) de órgãos reguladores para produção de orgânicos e podem ser utilizados para produção desses alimentos. 

Nos últimos anos, o mercado de biológicos tem passado por um intenso crescimento, na esteira do interesse de agricultores e consumidores por soluções inovadoras no campo com baixo impacto ambiental. O mercado mundial de controle biológico foi avaliado em US$ 2,8 bilhões em 2020, com projeções para ultrapassar US$ 11 bilhões em 2025. Somente no Brasil, uma estimativa da consultoria Blink apresentada pela CropLife Brasil em 2021 é que esse mercado dobre de tamanho até 2030, atingindo R$ 3,69 bilhões

Esse crescimento, impulsionado pelas demandas por soluções agrícolas sustentáveis, também vem sendo acompanhado pelo grande aumento de aprovações no âmbito regulatório. Até 2021, 503 dos chamados produtos biológicos de baixo impacto haviam sido aprovados para uso em lavouras brasileiras pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Mais da metade dos registros (284) são dos últimos 4 anos, com 92 deles apenas em 2021.

Quase todos esses produtos são para controle biológico de pragas, incluindo bioinseticidas, bionematicidas, biofungicidas e bioacaricidas. Há escassez, entretanto, de produtos de base microbiológica que ofereçam outras possibilidades e soluções inovadoras. Especialmente considerando os novos desafios que o setor agrícola vem enfrentando, em meio à crise de abastecimento de fertilizantes e mudanças climáticas.

“Durante um certo período se pensava que o solo seria apenas um repositório para fixar a planta e que os nutrientes seriam concedidos através de adubação e fertilização. Isso falhou totalmente. O solo começou a se degradar, junto com a produtividade. Hoje já se sabe que além do conhecimento físico e químico sobre a lavoura, também é preciso entender sua microbiologia”, explica Araujo. “Todos os fenômenos que ocorrem na planta estão, de alguma forma, intrinsecamente ligados aos microrganismos”, finaliza.

produtos biológicos registrados brasil

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