O sucesso da Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN) no Brasil

Poucas iniciativas na agricultura tiveram tanto sucesso quanto o desenvolvimento e implementação da Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN) nas lavouras brasileiras. Hoje, cerca de 80% das plantações de soja no país são tratadas com produtos à base de bactérias do gênero Bradyrhizobium, de acordo com a Associação Nacional de Produtores e Importadores de Inoculantes (ANPII). O objetivo é disponibilizar biologicamente o nitrogênio atmosférico para as plantas e diminuir – ou eliminar – a necessidade de fertilizantes nitrogenados sintéticos. Mas o que explica o terreno fértil que a FBN encontrou no Brasil?

Primeiro, trata-se de uma tecnologia com raízes em processos naturais e potencializada pela pesquisa científica pioneira do Brasil. As bactérias presentes nos inoculantes para FBN utilizam a enzima nitrogenase para catalisar a conversão do nitrogênio atmosférico (N₂) em amônia (NH₃), disponibilizando o nutriente presente na atmosfera para absorção pelas plantas. Bactérias do gênero Bradyrhizobium – também conhecidas como rizóbios – estão naturalmente presentes em leguminosas, criando uma relação simbiótica com essas plantas. As bactérias se alojam em nódulos criados nas raízes das plantas, onde obtêm nutrientes enquanto fornecem o nitrogênio assimilável. Foi através do estudo dessas bactérias e de seu papel na natureza que os inoculantes para FBN foram desenvolvidos e implementados em culturas como a soja.

Parte desse sucesso também é explicado pela busca, nas últimas décadas, por alternativas para redução da necessidade de agroquímicos. No caso da ureia, principal fertilizante utilizado globalmente para a disponibilização de nitrogênio, o processo de fabricação depende de combustíveis fósseis – recursos cada vez mais escassos, caros e associados à emissão de gases de efeito estufa (GEEs) e às mudanças climáticas.

Além disso, com a pressão dos mercados internacionais por modos mais sustentáveis de exercer as atividades agrícolas e industriais, o uso de fertilizantes sintéticos têm encarecido a produção de alimentos, recaindo sobre o bolso do consumidor final. Outro fator a se considerar é a dependência do Brasil do mercado exterior para importar seus fertilizantes, o que torna o país refém das instabilidades geopolíticas que encarecem o insumo, como no caso da Guerra da Ucrânia no início de 2022.

Solon Cordeiro de Araujo, consultor da ANPII e um dos maiores especialistas em FBN do Brasil, também vê no crescente processo de adoção dos inoculantes nas últimas décadas uma mudança de lógica na agricultura. “Durante uma certa época, pensava-se que o solo era apenas um repositório para segurar a planta, o alimento então poderia ser todo disponibilizado via adubo. Isso falhou totalmente”. Solon destaca como a degradação contínua do solo pelo uso intensivo de produtos químicos motivou diferentes setores a enxergarem-no como um organismo vivo, impulsionando o sucesso de iniciativas como a da Fixação Biológica de Nitrogênio na soja.

“O Brasil é um dos países mais abertos à inovação na agricultura. Assim como a indústria, a agricultura brasileira também é um setor dinâmico e bem receptivo a novas tecnologias que aumentem a produtividade e a sustentabilidade das atividades agrícolas”, comenta Araujo.

 

O impulso da Fixação Biológica de Nitrogênio nos anos 1970

O desenvolvimento, disseminação e sucesso da FBN na cultura da soja no Brasil é fruto de uma movimentação conjunta de instituições de pesquisa, órgãos do Estado e empresas produtoras de insumos agrícolas. Enquanto em meados dos anos 1970 diversos países investiram na produção e desenvolvimento de fertilizantes nitrogenados para uso agrícola, o Brasil optou por seguir outro caminho e explorar o potencial dos microrganismos para este mesmo fim.

Um grande expoente dessa história foi a pesquisadora Johanna Döbereiner (1924–2000). Atuante na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a agrônoma naturalizada brasileira investigou, ainda na década de 1950, bactérias do gênero Bradyrhizobium. Suas pesquisas influenciaram, a partir da década seguinte, o programa brasileiro de melhoramento da soja, o que contribuiu para a diminuição do uso de fertilizantes nitrogenados nas lavouras da cultura.

Seu trabalho também alavancou o conhecimento da ciência sobre os mecanismos microbiológicos envolvidos na nutrição vegetal, o que possibilitou o surgimento dos primeiros bioinsumos e inoculantes para a agricultura. Hoje, tais tecnologias são sinônimo de produtividade e sustentabilidade.

Expansão da soja

Não é possível falar sobre o desenvolvimento da FBN no Brasil sem mencionar a expansão da soja também na década de 1970. Até 1975, as lavouras de soja brasileiras se restringiam  ao Rio Grande do Sul, onde as características climáticas e do solo são muito similares às de outras regiões produtoras à época, em especial nos Estados Unidos. As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas pelo aumento da demanda por soja no mercado mundial com fins de produção de ração para a pecuária, o que então valorizou o preço do grão no mercado global e alçou a soja à cultura de interesse para o Brasil.

Foi então que o Estado brasileiro, assim como os produtores rurais, passaram a enxergar a soja como um grão estratégico para o país, investindo em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias que possibilitaram sua “tropicalização” e expansão para outras regiões do país, em especial a partir de 1975. Graças à ciência brasileira – notadamente na figura da Embrapa – novos cultivares adaptados a regiões tropicais foram desenvolvidos e o grão prosperou também nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. 

Muito bem adaptada à sojicultura, a Fixação Biológica de Nitrogênio foi uma frente de biotecnologia agrícola que acompanhou e impulsionou a expansão da soja em direção ao Norte do país, possibilitando a redução de gastos com fertilizantes e aumentando a produtividade da cultura. A década de 1970, então, ficou marcada por uma confluência de fatores e esforços que culminaram na importância atual da soja para a agricultura brasileira.

 

Benefícios econômicos e ambientais 

O sucesso da Fixação Biológica de Nitrogênio nas plantações brasileiras de soja foi um dos elementos que contribuiu para que o país se tornasse o maior produtor mundial do grão. Um levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) de 2021 apontou que os cerca de 40 milhões de hectares plantados produziram  140 milhões de toneladas de soja.

A Conab projeta que a produção pode chegar a 150 milhões de toneladas na safra 2022/2023, o que significaria um cenário recorde para a produção. Em segundo lugar entre os maiores produtores de soja vem os Estados Unidos, que na safra 2020/2021 cultivaram 33 milhões de hectares e produziram 112 milhões de toneladas na safra 2020/2021, de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês). O Brasil também se tornou, em 2020, o maior exportador mundial de soja

Além de contribuir com a consolidação da liderança brasileira na produção e comercialização da soja, a Fixação Biológica de Nitrogênio trouxe grandes economias ao produtor rural. Tecnologia barata e acessível, a FBN contribuiu para aumentar a competitividade da soja brasileira frente ao mercado interno e também global. Para se ter uma ideia, por conta da FBN, o Brasil economiza surpreendentes US$ 10,2 bilhões em fertilizantes nitrogenados por ano. Isso se deve principalmente aos custos mais baixos que o uso da FBN oferece ao produtor, se comparados aos de fertilizantes. Enquanto fertilizantes nitrogenados podem chegar a valores próximos de R$ 1.000,00 por hectare, o inoculante para FBN custa menos de R$ 50,00.

Isso sem mencionar as vantagens para o meio ambiente. Estima-se que cada quilograma de fertilizante nitrogenado sintético produzido seja responsável pela emissão de 10 kg de CO₂ equivalente (CO₂eq). Em função do emprego da FBN em cerca de 80% da área cultivada de soja no país, o Brasil deixa de emitir, anualmente, 430 milhões de toneladas de CO₂ para a atmosfera

Se os cerca de 40 milhões de hectares de soja brasileira não dispusessem da Fixação Biológica de Nitrogênio para fornecer o nutriente à planta, o país teria que importar muito mais fertilizantes químicos, aumentando os custos da produção e a emissão de gases de efeito estufa. Considerando a preocupação mundial com o avanço das mudanças climáticas, os inoculantes para FBN são uma tecnologia que contribui consideravelmente para o aumento da sustentabilidade agrícola.

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Principais referências

Olmo, R.; Wetzels, S.; Armanhi, J.S.L.; Arruda, P.; Berg, G.; Cernava, T.; Cotter, P. D.; Araujo, S.C.; de Souza, R. S. C.; Ferrocino, I.; Frisvad, J. C.; Georgalaki, M.; Hansen, H. H.; Kazou, M.; Kiran, G. S.; Kostic, T.; Krauss-Etschmann, S.; Kriaa, A.; Lange, L.; Maguin, E.; Mitter, B.; Nielsen, M. O.; Olivares, M.; Quijada, N. M.; Romaní-Pérez, M.; Sanz, Y.; Schloter, M.; Schmitt-Kopplin, P.; Seaton, S. C.; Selvin, J.; Sessitsch, A.; Wang, M.; Zwirzitz, B.; Selberherr, E.; and Wagner, M. (2022). Microbiome research as an effective driver of success stories in agrifood systems – A selection of case studies. Front. Microbiol. https://doi.org/10.3389/fmicb.2022.834622

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