Inovação em microbioma: 3 oportunidades para o futuro

Estima-se que as tecnologias baseadas em microbioma vão movimentar um mercado de mais de US$ 15 bilhões até 2030. Esse mercado foi de quase US$ 5 milhões em 2020. Trata-se de uma valorização de 150% no valor de mercado do setor em 10 anos. Os dados são da consultoria Research and Markets.

Essa expectativa vem na esteira de soluções ambientais, para a saúde humana e agricultura que estão em aplicação ou sendo desenvolvidas. As inovações em microbioma vêm se tornando uma grande aposta da ciência e da indústria para o futuro, na busca por tecnologias que sejam mais sustentáveis, no caso da agricultura e meio ambiente, e precisas, no caso da medicina. 

Os microbiomas são essenciais para a saúde global, do ambiente e humana. Mas essa importância só vem sendo melhor compreendida pela ciência através de novas ferramentas e conhecimentos, como a genômica, a ciência de dados e o entendimento sobre o papel das comunidades microbianas junto aos macrorganismos.

E é a partir desse conhecimento que novas tecnologias estão sendo desenvolvidas. Reunimos três potenciais inovações envolvendo tecnologias baseadas em microbioma que estão sendo desenvolvidas atualmente. Confira:

 

1. Monitoramento e sanitização contra patógenos

A pandemia de COVID-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2, evidenciou a necessidade de tecnologias que possibilitem o monitoramento dos microrganismos presentes na natureza que tenham potencial para se tornarem patogênicos contra seres humanos, processo conhecido como spillover. É provável que o coronavírus que causou a pandemia da COVID-19 tenha “pulado” de morcegos para seres humanos. Esse processo também já resultou em outras doenças infecciosas, como é o caso da raiva e diversos tipos de gripe (influenza).

Pensando nisso, pesquisadores estão cada vez mais focados em melhorar o monitoramento do microbioma de animais, buscando mapear e acompanhar vírus e outros microrganismos patogênicos com algum potencial de infectar humanos. Um exemplo foi ilustrado por uma pesquisa, publicada em abril de 2022, que buscou identificar quais serão as áreas de concentração de 35 espécies de morcegos hospedeiros de vírus semelhantes ao SARS-CoV-2. Com o estudo foi possível projetar que, no futuro, será importante monitorar países como China, Laos, Vietnã e Tailândia, considerando a concentração de espécies de morcegos hospedeiras de coronavírus semelhantes ao SARS-CoV-2.

Esse tipo de iniciativa deve se tornar uma importante ferramenta epidemiológica para monitorar microrganismos com potencial de spillover. Com o avanço de campos como a metagenômica, será possível identificar patógenos de forma cada vez mais eficiente, associando a informação genética contida no microbioma de animais com sua capacidade de causar doenças.

Ambientes hospitalares

Ao mesmo tempo, outras iniciativas focam na avaliação do microbioma de ambientes mais específicos, como os ambientes hospitalares. O aumento da resistência de bactérias a antibióticos é um grande problema para o setor da saúde. Essa resistência é causada principalmente pelo uso indiscriminado dos antibióticos, o que acaba selecionando cepas mais resistentes de bactérias causadoras de doenças. Mais de 1 milhão de pessoas morrem por ano devido à resistência bacteriana a antibióticos.

Para contribuir com alternativas para esse problema, sistemas baseados em microbiomas para monitoramento e sanitização de ambientes hospitalares vêm sendo testados. O princípio é o seguinte: um microbioma desequilibrado, em que a presença dos diferentes microrganismos está desregulada, é propício para o surgimento de microrganismos resistentes que causem infecções. Quando se conhece esse desequilíbrio a nível mais específico, é possível saber em quais locais há maiores chances de proliferação desses patógenos. Além disso, produtos de sanitização contendo probióticos já estão sendo desenvolvidos para modular tais microbiomas, dificultando o surgimento de patógenos nesses ambientes.

 

2. Alternativas para lidar com o lixo

A vida moderna e o desenvolvimento da civilização humana trouxeram consigo um grande problema enfrentado hoje: o acúmulo de lixo e resíduos sólidos. Alguns desses resíduos, como é o caso do plástico, podem demorar mais de 400 anos para se decompor. Outros materiais, como o alumínio, podem demorar até 500 anos. Soma-se a essa dificuldade o fato de a humanidade produzir, em média, 2 bilhões de toneladas de lixo por ano. Só no Brasil, são 80 milhões de toneladas de resíduos descartados anualmente.

No caso dos eletrônicos, o descarte vem crescendo nas últimas décadas, tendo atingido globalmente mais de 53 milhões de toneladas em 2019. Há diversos metais e elementos de difícil decomposição nesse tipo de resíduo. A reciclagem de eletrônicos costuma ser feita através de métodos que permitam a extração de metais para composição de outros produtos. Para isso, o lixo eletrônico é aquecido a mais de 1.000ºC ou ácidos são utilizados para sua degradação. Em ambos os casos, há a geração de subprodutos prejudiciais ao meio ambiente.

E é por isso que cientistas estão interessados em bactérias que têm a capacidade de produzir químicos eficientes para quebra de metais como cobre e ouro. Esse tipo de processo é denominado “biolixiviação” e já está presente nas atividades de mineração, em que microrganismos são utilizados para extrair metais de minérios brutos. Essas tecnologias vêm sendo desenvolvidas nos últimos anos e no futuro podem se traduzir em novas opções para reciclagem do lixo eletrônico de forma mais sustentável, já que não geram subprodutos como os métodos tradicionais de extração.

Com relação aos plásticos, pesquisadores também buscam alternativas a partir de enzimas presentes em microrganismos que degradam os polímeros que compõem o material, facilitando sua reciclagem e aumentando a sustentabilidade do processo. O problema, entretanto, é que existem diferentes tipos de plásticos e, para isso, são necessárias diferentes enzimas com a capacidade de quebrar as cadeias de polímeros. Caso essas inovações se concretizem, também será possível reciclar materiais que não podem ser reciclados pelos processos mecânicos, como é o caso das roupas de material sintético.

 

3. Nova geração de produtos biológicos para a agricultura

Os produtos biológicos – ou bioinsumos – contendo microrganismos não são uma invenção nova. O Brasil, por exemplo, já utiliza bactérias do gênero Bradyrhizobium na cultura da soja desde a década de 1970, com o objetivo de favorecer a fixação biológica de nitrogênio (FBN). Hoje, 79% das plantações brasileiras de soja são tratadas com tais bactérias noduladoras, de acordo com a Associação Nacional dos Produtores e Importadores de Inoculantes (ANPII). Mas o avanço do conhecimento científico sobre os microbiomas, sua diversidade e funções junto às plantas demonstra que ainda existe potencial para uma nova geração de produtos biológicos, mais eficiente e que confira vantagens mais complexas a cultivares.

Estudos recentes utilizando técnicas avançadas de sequenciamento genético e computação têm demonstrado que o microbioma tem impacto direto na produtividade vegetal. Bactérias e fungos, por exemplo, são responsáveis por fornecer nutrientes para as plantas (como nitrogênio, fósforo e metais) e auxiliar na obtenção de água. Alguns microrganismos são capazes de produzir substâncias que aumentam a tolerância das plantas frente a condições estressantes como seca, garantindo a manutenção da produtividade mesmo em condições desfavoráveis. 

Quando consideramos questões como as mudanças climáticas, os microbiomas escondem um enorme potencial ao oferecer soluções que já existem na natureza para tornar as culturas mais tolerantes a estresses ambientais como seca, calor, entre outros. Para desvendar esse tesouro genético, a ciência está buscando nos biomas naturais microrganismos desconhecidos, seus genes e moléculas que possam ser a base de novos produtos biológicos no futuro.

Há ainda os microrganismos que produzem moléculas que auxiliam na defesa contra patógenos e pragas, podendo ser utilizados em substituição aos químicos comumente aplicados na lavoura. Nesse sentido, tecnologias baseadas em microbioma podem ser usadas para diminuir o uso de fertilizantes e defensivos. Considerando a toxicidade no excesso de uso de agroquímicos para a saúde ambiental e humana, esse talvez seja um dos grandes potenciais de produtos biológicos para promover a sustentabilidade na agricultura.

 

Principais referências

Caselli, E.; Brusaferro, S.; Coccagna, M.; Arnoldo, L.; Berloco, F.; Antonioli, P.; Tarricone, R.; Pelissero, G.; Nola, S.; La Fauci, V.; Conte, A.; Tognon, L.; Villone, G.; Trua, N.; Mazzacane, S. Reducing healthcare-associated infections incidence by a probiotic-based sanitation system: A multicentre, prospective, intervention study. PLoS One. (2018). https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199616

D’Accolti, M.; Soffritti, I.; Mazzacane, S.; Caselli, E. Fighting AMR in the healthcare environment: Microbiome-based sanitation approaches and monitoring tools. Int. J. Mol. Sci. (2019). https://doi.org/10.3390/ijms20071535

Muylaert, R. L.; Kingston T.; Luo, J.; Vancine, M. H.; Galli, N.; Carlson, C. J., John, S.; Rulli, M. C.; Hayman D. T. S. Present and future distribution of bat hosts of sarbecoviruses: Implications for conservation and public health. Proc. R. Soc. B. (2022). http://doi.org/10.1098/rspb.2022.0397

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