Bioprospecção microbiana: o que é e qual sua importância?

Quando se fala em biodiversidade, o que vem primeiro à mente são florestas verdes e densas, com vegetação e animais diversos. Mas, na verdade, os seres mais abundantes do planeta são os microrganismos. Estima-se que haja mais de um trilhão de microrganismos diferentes nos mais diversos ecossistemas no planeta Terra. E cerca de 99% deles ainda permanecem inexplorados pelos seres humanos.

A bioprospecção microbiana tem sido colocada em prática para aumentar o conhecimento da ciência sobre a biodiversidade de microrganismos na natureza e também como insumo para desenvolvimento de novas biotecnologias. Em resumo, a bioprospecção microbiana consiste em buscar, cultivar, armazenar e conhecer mais a fundo os microrganismos presentes nos diferentes biomas com o objetivo de descobrir seu papel e potencial biotecnológico.

Quem explica esse processo é Mariana Ramos Leandro, Lead Research Scientist da Symbiomics e bióloga molecular com experiência em isolamento de microrganismos promotores de crescimento e de tolerância a estresses ambientais em plantas.

“Hoje sabemos que a biodiversidade microbiana é riquíssima, principalmente nos biomas brasileiros. Vamos até esses diferentes ambientes e coletamos os microrganismos associados, por exemplo, aos solos”, ela explica. A depender dos objetivos da bioprospecção, os pesquisadores podem olhar para solos, animais ou, no caso do desenvolvimento de biotecnologia agrícola, para o microbioma das plantas. As amostras são coletadas e levadas ao laboratório para que os microrganismos sejam cultivados, isolados, identificados e então armazenados em coleções microbiológicas ou biobancos.

A bioprospecção também pode ser realizada in silico, ou seja, pela análise computacional de sequências genômicas. Através dessas análises, pesquisadores buscam associar trechos do DNA microbiano a funções específicas, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento de ferramentas e produtos biotecnológicos. “Isso só é possível devido à grande quantidade de dados que tem sido gerada a partir do sequenciamento de metagenomas e genomas completos de microrganismos e sua análise a partir da bioinformática”, completa Mariana

A prospecção in silico se mostra como uma estratégia complementar para investigação desses microrganismos devido aos desafios associados ao cultivo de microrganismos selvagens em laboratórios. A maioria demanda ajustes específicos em parâmetros físico-químicos e nutricionais para crescimento, o que demonstra a complexidade envolvida em estudos microbianos dependentes de cultivo.

 

Bioprospecção e isolamento de microrganismos cultiváveis e não cultiváveis

Como resultado do processo evolutivo,  os microrganismos apresentam interdependências muito específicas entre as condições de sobrevivência junto a plantas e animais. Condições essas que são desafiadoras e difíceis de serem emuladas em ambientes controlados de laboratório, como uma placa de cultivo.

O cultivo de microrganismos é importante pois permite estudos mais aprofundados em laboratório. Além disso, o sucesso na etapa de cultivo também indica que tais microrganismos podem prosperar em condições controladas, demonstrando a possibilidade de composição de produtos biotecnológicos e de seu escalonamento para este fim.

“Os diferentes meios de cultivo, de certa forma, buscam mimetizar o ambiente em que os microrganismos vivem. Assim, conseguimos acessar a maior diversidade microbiana possível. É importante ressaltar, entretanto, que a maior parte dos microrganismos que se encontram em associação com as plantas, por exemplo, são dificilmente cultiváveis. É muito desafiador mimetizar exatamente o que acontece na natureza”, ressalta Mariana.

O processo de bioprospecção depende também de informações genéticas fornecidas pelo metagenoma. Quando o DNA de toda a comunidade microbiana é analisado, é possível observar uma disparidade significativa entre os microrganismos identificados através do metagenoma e aqueles que se desenvolvem em placas de cultivo no laboratório. A bioinformática permeia todo esse processo, e no caso dos microrganismos não cultiváveis, é ainda mais essencial preencher a lacuna deixada pela impossibilidade do cultivo em laboratório.

O desafio enfrentado hoje está em cultivar uma diversidade cada vez maior de microrganismos. “Esse processo de definir as formulações dos meios de cultivo é extremamente importante e é o que determina a dimensão da diversidade e da riqueza de microrganismos que conseguimos acessar”, explica Mariana.

 

O potencial biotecnológico da biodiversidade

Sobreviver na natureza é estressante. Os desafios variam conforme as condições e biomas e podem incluir seca, calor, escassez de nutrientes, alagamentos, alta salinidade, entre outros fatores. Mas as plantas que compõem a biodiversidade encontraram, ao longo de sua evolução, maneiras de tolerar esses estresses.

“Como os estudos vêm demonstrando, essas plantas nunca estão sozinhas. Existe um alto potencial do microbioma no auxílio à sobrevivência vegetal nesses ambientes”, coloca Mariana. Comunidades microbianas associadas às espécies vegetais cumprem papéis fundamentais em sua sobrevivência.

“De maneira geral, os solos brasileiros sofrem com intemperismo, possuem pH baixo e tendência à precipitação de minerais. Olhar para os ecossistemas brasileiros como janelas de oportunidades é o caminho para desenvolvermos tecnologias que auxiliem a agricultura a enfrentar seus desafios”, explica Mariana.

Biomas como a Amazônia – floresta tropical altamente densa e desenvolvida –, por exemplo, escondem em sua biodiversidade uma infinidade de genes, moléculas, mecanismos e processos bioquímicos de grande importância para o desenvolvimento vegetal. Características essas que inspiram o desenvolvimento de tecnologias capazes de transferir tais vantagens para plantas agricultáveis.

 

Aplicações na agricultura

Mas que tipo de tecnologia a bioprospecção microbiana pode gerar na prática? No caso da agricultura, produtos biológicos que auxiliem a disponibilização de nutrientes – os biofertilizantes – são apontados como uma promissora alternativa ao uso de fertilizantes químicos, insumo altamente difundido na agricultura mas cada vez mais custosos e de uso prejudicial ao meio ambiente, quando em excesso.

Alguns produtos baseados em microrganismos já são bastante difundidos na agricultura brasileira. Um dos maiores casos de sucesso são os inoculantes à base de Bradyrhizobium sp. para fixação biológica de nitrogênio (FBN), utilizados em mais de 80% da área plantada de soja no país. No entanto, apesar da alta taxa de adoção para esse tipo de biofertilizante no Brasil, a diversidade dos microbiomas e de suas funções junto a plantas ainda permanece pouco explorada no aspecto biotecnológico.

Os solos agricultáveis brasileiros têm alta deficiência de fósforo, nutriente essencial para geração de ATP, principal fonte de energia da planta e necessária aos mais diversos aspectos do crescimento vegetal. “O fertilizante fosfatado é muito utilizado na agricultura. Mas quando esse mineral entra em contato com a maioria dos solos brasileiros, grande parte é rapidamente precipitado devido a aspectos físico-químicos particulares, como o pH ácido. Isso causa a indisponibilidade do fósforo para a planta e seu acúmulo no solo e na água”, explica Mariana.

Assim, é preciso que os agricultores apliquem grande quantidade de fertilizantes fosfatados, da qual apenas uma pequena parcela é de fato utilizada pelas plantas. Essas práticas causam o acúmulo de nutrientes na natureza, o que vem se tornando um relevante problema.

“Ainda hoje é muito restrita a utilização de microrganismos. São poucas as espécies microbianas utilizadas na agricultura. Nisso há um grande potencial, que é o descobrimento de novos microrganismos que ainda não são utilizados para fins como disponibilização de nutrientes, mitigação de estresses ambientais e até mesmo como biodefensivos”, finaliza.

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